top of page
  • Marcos Paulo Campos, Márcia Paula Chaves Vieira

ESQUERDA DIVIDIDA? NOTAS SOBRE ALIANÇAS ELEITORAIS NAS CAPITAIS BRASILEIRAS




A eleição do capitão reformado Jair Bolsonaro constitui a principal referência para a afirmação inequívoca de que o Brasil dobrou à direita (NICOLAU, 2020). Essa mudança política na preferência nacional do eleitorado estabeleceu um governo com evidente estratégia de confronto com as instituições e sugestão aberta de golpe ao longo do ano de 2019, preocupando intelectuais, políticos e democratas de toda ordem que vocalizaram a demanda por uma frente ampla de oposição para imediata recuperação do ambiente democrático. Isso também se refletiu na expectativa de alianças alargadas para a disputa das capitais brasileiras em 2020. A constatação de que a unificação de partidos e chapas oposicionistas não ocorreu em cidades importantes do país, como São Paulo e Rio de Janeiro, deu vazão ao discurso mais recente sobre a divisão das oposições, sobretudo as de esquerda.


As notas de pesquisa apresentadas aqui têm por base os dados de registros de candidaturas que desenham o cenário da competição política nestas eleições municipais, enfocando as candidaturas esquerdistas nas capitais brasileiras e buscando nelas avaliar a pertinência das afirmações sobre sua fragmentação. O Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) serão observados mais detidamente porque integram posições à esquerda no campo político nacional e assumem genuína atuação oposicionista frente ao governo Bolsonaro por “retardar ao máximo a aprovação de projetos; impor a aprovação de políticas que dificultam a administração; e vetar, parcial ou totalmente, as medidas do governo” (PERES; BEZERRA, 2020, p. 289). O Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) aponta o PT e o PSOL como as legendas que mais votam contra os projetos apresentados pelo executivo federal. Esses partidos reproduzem em sua ação parlamentar o oposicionismo que representaram no segundo turno da eleição presidencial de 2018, disputado pelo ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), contra o capitão reformado. No referido pleito, o petista recebeu apoio de Guilherme Boulos, candidato psolista no primeiro turno.


O campo de ação política das esquerdas neste pleito municipal está matizado e reflete as diferentes trajetórias locais e regionais dos partidos desse campo político. Nesse sentido, não se registra a constituição de uma frente ampla oposicionista em nível nacional. No entanto, também não é possível constatar a fragmentação em absoluto porque o cenário eleitoral acabou se desenrolando em formas menos lineares. Isso deve ser pensado também com as referências postas pelas mudanças de regras eleitorais. As coligações, antes permitidas para todos os cargos, se restringem agora somente às disputas ao poder executivo. E mais, para ser eleito vereador, o candidato precisa estar em um partido que atingiu o quociente eleitoral e ter individualmente, pelo menos, 10% desse mesmo quociente. Ou seja, este pleito admite um incentivo institucional para que os partidos tenham candidaturas próprias ao cargo majoritário como um modo de dar visibilidade e constituir referência de apoio político para seus filiados que concorrem ao legislativo. O clamor por unificação nem sempre considera os esforços de reprodução partidária.


O PT apresenta 21 candidatos à prefeitura de capitais e lidera ou participa de alianças em metade das disputas pelas cidades mais importantes do país. A legenda de Lula da Silva tem, pelo menos, um aliado na maioria das capitais do Nordeste, do Norte e do Sul. Em oito disputas, o candidato ou a candidata petista lidera uma chapa composta por partidos parceiros. Esse cenário, em parte, não é tão diferente de 2016, quando o PT teve 20 candidatos em capitais e 10 marcharam sozinhos. No entanto, a novidade de 2020 diz respeito aos petistas inaugurarem uma aproximação com o PSOL. Se, em 2016, nenhuma capital registrou aliança entre o PT e o partido de Marcelo Freixo, em 2020, o PSOL é quem mais oferece vices às alianças lideradas pelo PT, como bem demonstram os exemplos de Recife, Manaus e Rio Branco. O contrário também é verdade. As chapas lideradas por psolistas em Belém e Florianópolis trazem petistas como vices. A primeira nota de pesquisa que apresentamos aponta que PT e PSOL inauguraram nestas eleições uma aproximação nunca antes registrada em campanhas municipais, compondo chapas nas quais um ou outro lidera em cinco capitais.


O segundo partido que mais compõe com o PT é o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), aliado de longa data que indicou a gaúcha Manuela D’Ávila como vice de Haddad em 2018. Os comunistas são parceiros de Benedita da Silva no pleito carioca e dos petistas em João Pessoa. O PCdoB tem o PT como o maior aliado para composição das chapas que lidera, recebendo petistas como vice em São Luís e Porto Alegre. A partir desses dados, sustentamos, como segunda nota de pesquisa, que os maiores parceiros dos partidos de esquerda para composição de chapas eleitorais nas capitais do país são eles mesmos. O centro-oeste, por sua vez, desponta como a região do país onde os afastamentos são mais intensos, estando em Cuiabá, Campo Grande e Goiânia a maior concentração de candidaturas petistas e psolistas solitárias. O PCdoB, por sua vez, integra o governismo local. O Brasil do agronegócio parece mais árido para as esquerdas que o sertão nordestino (CAMPOS, 2018). O sudeste, maior concentração eleitoral brasileira, apresenta um quadro de fragmentação muito significativo, pois não conta com aliança entre o PT e o PSOL em nenhuma capital.


Florianópolis e Belém são os únicos casos em que psolistas, petistas e comunistas estão reunidos e, nas duas capitais, a liderança da chapa fica com candidatos do PSOL. O PT e os psolistas possuem igualmente 13 candidatos em chapas puras e fazem alianças em cerca de 40% das composições que lideram, mas o PSOL costuma estar mais reunido a partidos de esquerda sem representantes no Congresso Nacional e com menos recursos para a disputa eleitoral, como o Partido Comunista Brasileiro e a Unidade Popular. A avaliação sobre uma maior facilidade em promover a unidade das esquerdas em torno dos psolistas ou se o partido de Boulos tem maior propensão a fazer alianças com legendas competitivas do seu campo político somente quando lidera a composição é uma questão para trabalhos futuros.


A afirmação de que as esquerdas estão divididas segue tendo apelo no debate público a despeito dos dados já citados. Isso se deve, em certa medida, à percepção de que ainda é pouco significativo ter alianças entre PT e PSOL em chapas majoritárias de cinco capitais, apenas 20% das principais cidades do país. Quando consideramos o PCdoB, o número sobe para nove e a fragmentação se reapresenta, dispensando o potencial eleitoral dessa unidade, por exemplo, nas capitais do Sudeste e do Centro-Oeste. Entretanto, quando se trata da não realização de uma frente ampla, esse discurso tem mais razão de ser porque somente em Florianópolis se realizou o encontro entre as oposições de esquerda e centro-esquerda, congregando PSOL, PT, PCdoB, o Partido Democrático Trabalhista (PDT) e o Partido Socialista Brasileiro (PSB).


As dificuldades de uma possível frente ampla nas capitais podem ser melhor compreendidas pela observação da relação entre ação parlamentar e alianças eleitorais (VIEIRA, 2011). A oposição de esquerda ao governo, como já citamos, tem agido em conjunto no Congresso Nacional, conseguindo somar também boa parte dos partidos de centro-esquerda. Em 2019, durante a votação da Reforma da Previdência na Câmara Federal, PT, PSB, PDT, PSOL, PCdoB e REDE orientaram suas bancadas a votar contra a proposta do poder executivo. Mesmo assim, 8 de 27 parlamentares do PDT não seguiram a orientação do líder de bancada. No PSB, 11 de 32 deputados votaram pela reforma. Isso colaborou para uma aprovação acachapante da mudança nas regras de aposentadoria proposta pelo governo Bolsonaro. No início da pandemia, 20% dos projetos de enfrentamento ao novo coronavírus foram propostos pelo PT e 12% traziam autoria coletiva com participação predominante dos partidos de esquerda. Do percentual de proposições coletivas, 56% foi assinado por coalizões formadas por parlamentares dos partidos de oposição, incluindo siglas de fora do campo das esquerdas. Segundo o OLB, PT, PSOL, PCdoB, PDT e PSB estiveram juntos na assinatura de 40% desses projetos coletivos. Mais recentemente, na votação do Marco Legal do Saneamento, as oposições se dividiram, considerando que PDT e PSB indicaram voto favorável à medida em conjunto com a base parlamentar do governo federal. Essas votações exemplificam as dificuldades de realização do que poderíamos chamar de “unidade das oposições”. A terceira nota de pesquisa que podemos apontar admite que fraturas entre esquerda e centro-esquerda já se expressavam no Congresso Nacional enquanto o debate público se voltava à demanda por uma maior articulação das forças partidárias contrárias ao governo Bolsonaro.


As notas de pesquisa apontadas neste texto afirmam as alianças inéditas entre PT e PSOL em campanhas municipais, a evidente parceria entre os partidos de esquerda para composição de chapas eleitorais nas capitais do país e as dificuldades de uma possível frente ampla presentes nas fraturas da ação parlamentar oposicionista. Atestamos que houve incentivo institucional para os partidos apresentarem candidatos majoritários em 2020, visando fortalecer a disputa por postos no legislativo municipal. Entretanto, observamos que a construção das chapas não se encerra naquilo que as regras constituem. Na verdade, as alianças no campo das esquerdas enlaçam dimensões pragmáticas e programáticas de forma complexa e demandam aprofundamento. Isso se mostra ainda mais relevante quando se trata da centro-esquerda. Destacamos a necessidade de análises sobre o PDT e o PSB, considerando um cenário nacional de centralização partidária e as especificidades das realidades estaduais e municipais. Há reduzida participação desses dois partidos em chapas lideradas pelas siglas que mais se contrapõem ao governo Bolsonaro. Por fim, nos perguntamos em que medida a disputa pela liderança partidária do campo das oposições dificulta coalizões eleitorais mais amplas. O desafio analítico não descansa.



REFERÊNCIAS


BEZERRA, Gabriella. (2017), Oposições Parlamentares no Brasil: uma análise dos incentivos institucionais e de suas práticas (1995-2014). Tese (Doutorado em Ciência Política), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre.

BRAMBOR, Thomas; CENEVIVA, Ricardo. (2012), “Reeleição e continuísmo nos municípios brasileiros”. Novos Estudos CEBRAP, n. 93, p. 09-21.

CAMPOS, Marcos Paulo. (2018), Os Sentidos da Reforma Agrária no Lulismo. Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de janeiro.

MARENCO, André. (2006) “Regras Eleitorais Importam? Modelos de listas eleitorais e seus efeitos sobre a competição partidária e o desempenho institucional”. Dados, v. 49, n. 4, p. 721-749, 2006.

NICOLAU, Jairo. (2020), O Brasil Dobrou à Direita: uma radiografia da eleição de Bolsonaro em 2018. Rio de Janeiro, Zahar.

OBSERVATÓRIO LEGISLATIVO BRASILEIRO. (2020), A produção da Câmara frente ao Coronavírus. Disponível em: https://olb.org.br/a-producao-da-camara-frente-ao-coronavirus/. Acessado em: 14 de out. de 2020.

PERES, Paulo; BEZERRA, Gabriella. (2020). “Oposição Parlamentar: conceitos e funções”. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, n. 110, p. 247-298.

SAMUELS, David; ZUCCO, César. (2018) Partisans, Antipartisans, and Nonpartisans: voting behavior in Brazil. Cambridge University Press.

VIEIRA, Márcia Paula. (2011) O Poder Legislativo no Ceará: geografia do voto e ação política na Assembleia Legislativa. Dissertação (Mestrado em Sociologia). Universidade Federal do Ceará, Fortaleza.

Marcos Paulo Campos é doutor em sociologia pelo IESP-UERJ e pesquisador do LEPEM/UFC

Márcia Paula Chaves Vieira é doutora em sociologia pela UFC e pesquisadora do LEPEM/UFC

Gabriella Maria Lima Bezerra é doutora em ciência política pela UFRGS e pesquisadora do LEPEM/UFC


Como citar esse texto: CAMPOS, M. P.; CHAVES VIEIRA, M. P.; LIMA BEZERRA, G. M. (2020). "Esquerda dividida? Notas sobre alianças eleitorais nas capitais brasileiras. Horizontes ao Sul. Disponível em: https://www.horizontesaosul.com/single-post/2020/11/09/ESQUERDA-DIVIDIDA-NOTAS-SOBRE-ALIANCAS-ELEITORAIS-NAS-CAPITAIS-BRASILEIRAS

Editor responsável: Rafael Rezende




271 visualizações
Relacionados
bottom of page