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Matias López e Graziella Moraes Silva

ENTENDENDO AS CONSEQUÊNCIAS DA DESIGUALDADE PARA AS ELITES


Quanto maior a desigualdade, maiores os benefícios para as elites globais? Como a desigualdade econômica se articula com a (falta de) democracia? Este artigo discute como a relação dos ricos com a desigualdade varia entre diferentes contextos e argumenta que ela deve ser melhor explorada como uma questão empírica.


A desigualdade tem se tornado cada vez mais evidente no debate público[1]. A crise da Covid-19 aprofundou as disparidades sociais, beneficiando alguns bilionários, tal como empresários do chamado “big techs”, enquanto conduzia grandes proporções de pessoas à pobreza e à insegurança alimentar. Embora as pessoas mais ricas do planeta ainda estejam concentradas na América do Norte e na Europa, a riqueza dos bilionários cresceu na China (+1146%), Rússia (+80%), Índia (+90%) e Brasil (+99%), de acordo com o relatório UBS billionaires 2020. A concentração de renda está gerando cada vez mais uma casta global de indivíduos super-ricos que permeiam o Norte e o Sul Globais.




Ainda que seja claro que as desigualdades, tanto de riqueza quanto de renda, punem os que estão na base da distribuição de renda, sabemos muito menos sobre como a desigualdade afeta os que estão no topo. Uma resposta direta é que uma distribuição distorcida da renda e da riqueza beneficia os ricos à medida que eles ganham com a possibilidade de ter acesso a mão de obra barata e outras formas de distinções materiais e simbólicas. No entanto, seria possível dizer que níveis mais altos de desigualdade são sempre benéficos para as elites globais? Ou, em outras palavras, que os ricos sempre irão apoiar medidas que agravam a desigualdade, como cortes de impostos e redução das políticas de bem-estar social? Essa perspectiva é contradita por iniciativas globais como o The Giving Pledge, instando “os indivíduos mais ricos do mundo” a se comprometerem com a redistribuição por motivos morais. A filantropia cresceu nas últimas décadas, em parte porque permite que as elites acumulem capital social e prestígio.


Entretanto, dados os limites dos compromissos voluntaristas - que variam entre indivíduos, países e contextos macroeconômicos - e as consequências potencialmente nocivas da filantropia privada (e amplamente financeirizada), seria desejável que o compromisso moral e o prestígio social não fossem os únicos impulsionadores da mobilização da elite pela redistribuição. Felizmente, eles não o são. Do ponto de vista econômico, os “ricos” têm incentivos materiais para abrir mão de parte de seus ativos para proteger sua posição. Afinal, recursos mais concentrados levam a uma maior proporção de cidadãos marginalizados ou descontentes, cidadãos estes que podem usar seus votos ou até mesmo a violência política para lutar por mais redistribuição.


Os riscos potenciais de instabilidade política para os ricos apontam para a importante questão de como a desigualdade econômica se articula com a democracia ou a falta dela. Tradicionalmente se assumiu que os governos autoritários e sua tendência arraigada de proteger as elites se adequam melhor aos interesses daqueles que se beneficiam com a desigualdade. Muitos casos foram documentados em que líderes corporativos endossaram governantes autoritários ou golpes contra a democracia a fim de reduzir a redistribuição e restringir a representação política. Contudo, cientistas políticos têm apontado cada vez mais que os regimes autoritários têm maior probabilidade de expropriar riqueza em circunstâncias específicas, como durante crises de legitimação. Em alguns casos, as elites econômicas pressionaram pela democratização depois de enfrentar os perigos do autoritarismo, como a perseguição e a expropriação. Democracias emergentes abriram caminho para que grupos majoritários reformulassem a distribuição de renda e potencialmente diminuíssem a desigualdade, mas também protegessem a riqueza por meio de um compromisso liberal com o Estado de Direito e a propriedade privada.


De muitas maneiras, as desigualdades que prevalecem atualmente nas democracias podem ser atribuídas à onda de democratização do último quarto do século XX. As novas democracias frequentemente herdaram estruturas repressivas de regimes autoritários anteriores como resultado de arranjos institucionais ainda ligados às antigas elites e autocratas depostos. Também nas democracias mais antigas o s poderosos estão exercendo ampla influência política . Nas eleições de 2020 nos Estados Unidos, por exemplo, 10 indivíduos doaram quase 60 milhões de dólares para partidos e campanhas políticas. De acordo com extensa pesquisa, essas práticas permitem que as preferências daqueles com maior renda se traduzam em políticas reais com muito mais regularidade do que ocorre com os cidadãos de renda média.


Essas desigualdades precisam ser percebidas como legítimas p ara que a estabilidade prevaleça em democracias desiguais . Em função disso, estudos recentes têm mostrado que os ricos têm necessidade constante de justificar suas vantagens e privilégios. Vários processos culturais desempenham um papel fundamental na legitimação de um suposto mérito das elites, ao mesmo tempo que questionam o merecimento dos pobres por meio de mecanismos de estigmatização racial, étnica ou nacional que reproduzem sua marginalização e exclusão das políticas sociais. Quando as narrativas da elite que justificam a desigualdade deixam de repercutir no público em geral, a democracia corre o risco de ser desafiada por líderes e partidos anti-establishment. Abrir a caixa de Pandora do populismo é, portanto, um empreendimento incerto para as elites, pois provoca volatilidade política e pode resultar tanto em favores para os ricos quanto em políticas redistributivas mais radicais que colocam seus ativos em risco.


Em suma, a forma como os ricos se relacionam com a desigualdade varia entre diferentes contextos e, portanto, pode ser mais bem explorada como uma questão de pesquisa e como elemento do debate político.



NOTAS

[1] A versão deste texto em inglês pode ser consultada em: https://globalchallenges.ch/issue/9/understanding-the-implications-of-inequality-for-the-elites/ A tradução foi feita por Marcia Rangel Candido e revisada pelos autores.


Matias López é Pesquisador de Pós-Doutorado, Albert Hirschman Centre on Democracy, The Graduate Institute, Geneva.


Graziella Moraes Silva é Professora Associada de Antropologia e Sociologia, The Graduate Institute, Geneva.




Como citar esse texto: LOPEZ, Matias e SILVA, Graziella M. (2021),“Entendendo as consequências da desigualdade para as elites”. Horizontes ao Sul. Disponível em: https://www.horizontesaosul.com/single-post/entendendo-as-consequ%C3%AAncias-da-desigualdade-para-as-elites



Editora Responsável: Marcia Rangel Candido

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