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  • Marcia Rangel Candido

Como fazer entrevistas nas Ciências Sociais?

10 dicas para jovens pesquisadoras(es)


“That thin line” por Hyuro

Por Talita Tanscheit

Doutoranda em Ciência Política no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Iesp-Uerj)

Contato: talitastt@gmail.com


Grande parte de minha pesquisa de doutorado dispõe de entrevistas, e eu sou apaixonada por realizá-las. Acredito que, especialmente na Ciência Política – área pouco adepta ao uso desse método -, ainda existem muitas histórias a serem desveladas e para que isso ocorra precisamos chegar às pessoas que participaram de forma protagonista nestas histórias. Digo isto não em detrimento de outras metodologias ou técnicas, mas por achar que entrevistas podem ser adequadas a diversas análises — sejam elas quantitativas ou qualitativas — contribuindo para o preenchimento de lacunas e para a interpretação de resultados que fogem aos meios estatísticos tão habituais de nossos tempos.


Comecei a realizar entrevistas na graduação, em uma pesquisa de iniciação científica com lideranças comunitárias das favelas Chapéu Mangueira e Babilônia, no Rio de Janeiro. A partir do mestrado, passei a desenvolver entrevistas com as chamadas “elites políticas”, o que quer dizer, para os meus estudos, dirigentes partidários/as do Partido dos Trabalhadores (PT) e/ou pessoas que estiveram em postos governamentais importantes nos governos Lula no que diz respeito à participação social. Com o tempo curto do mestrado e as poucas entrevistas logradas, decidi dar seguimento a elas no doutorado, desta vez ampliando a minha pesquisa e incluindo as “elites políticas” da Frente Ampla (FA), no Uruguai e do Partido Socialista (PSCh), no Chile.


De lá para cá, foram dezenas de entrevistas realizadas no Brasil, no Uruguai e agora no Chile. Hoje, com mais experiência e, consequentemente, expertise, vejo que muitos dos desafios (ou dificuldades) que enfrentei poderiam ter sido atenuados se algumas dicas mais práticas e pragmáticas constassem em manuais e em textos metodológicos consagrados. Ou ainda se pesquisadoras(es) mais calejadas(os)compartilhassem as suas dificuldades e os seus êxitos. Escrevo este texto, portanto, com a finalidade de dividir minha experiência pessoal, auxiliar e motivar algumas e alguns de vocês à utilização do método de entrevistas como uma das relevantes práticas de trabalho nas Ciências Sociais. Nas próximas linhas, apresento 10 dicas que considero preciosas a todas as gerações de pesquisadoras e pesquisadores iniciantes no mundo das entrevistas.


Dica nº 1

Tenha sempre (!!!) um caderno ou um bloco de notas em mão. Ele será muito útil para que você anote acontecimentos históricos importantes relacionados ao seu tema. O nome de pessoas que participaram com algum papel relevante em sua área de pesquisa, referências bibliográficas ou contatos para novas entrevistas também são coisas que costumam surgir em cada nova interlocução.


Dica nº 2

Para que você tenha o que anotar, você precisa estar por dentro do seu tema. Ao fazer a revisão bibliográfica, grife todos os nomes das lideranças citadas pela bibliografia principal e coloque em suas notas. Esta será uma primeira aproximação, ainda distanciada e sem propriamente iniciar o trabalho de campo, das pessoas que você irá futuramente entrevistar.


Dica nº 3

Antes, mas principalmente durante o seu trabalho de campo, converse com o máximo de pessoas possível sobre a pesquisa que você está realizando. Estas pessoas podem estar na universidade e nos congressos acadêmicos, podem integrar movimentos sociais ou partidos políticos (no meu caso), podem ser pessoas que moram com você (caso o seu trabalho de campo não seja na sua cidade) ou podem ser simplesmente pessoas que você conheceu por acaso, tomando uma cerveja em um bar ou no aniversário de uma amiga. Você nunca sabe quais as relações que as pessoas ou suas famílias, um noivo ou um marido, podem ter estabelecidas. Acredite, oportunidades de entrevistas podem surgir dos locais mais inesperados. Por isso, retorne à dica um, e tenha sempre um caderno ou um bloco de notas à mão — caso você seja mais digital do que eu, acho que um celular pode ser suficiente.


Dica nº 4

Conforme vocês forem aprofundando o conhecimento sobre a temática estudada, conversando com as pessoas, indo a centros de pesquisa ou, no meu caso, às sedes dos partidos políticos, façam uma lista ou um diagrama com as principais pessoas que vocês gostariam de entrevistar e que possam preencher alguma peça deste quebra-cabeça que você está montando. No meu caso, por exemplo, que sou otimista, sempre coloco nesta lista as pessoas que estiveram na presidência do partido, que dirigem as suas facções mais importantes e que estiveram em posições de destaque em ministérios. Quando me falta compreender alguma política ou lei específica, insiro pessoas que participaram de sua formulação, implementação e avaliação, elas costumam ter detalhes mais de dentro do processo que podem dar valiosos insights para a minha tese.


Dica nº 5

Estes passos não seguem necessariamente uma ordem, e tudo vai se realizando “ao mesmo tempo e agora”. Mas depois de um período inicial de organização, vocês chegarão à parte mais cansativa da pesquisa: iniciar a saga por agendar as entrevistas. A minha dica principal é: não desanimem! Em reflexão sobre a minha trajetória de doutorado, fiz a conta e, para realizar as cerca de 50 entrevistas que tenho até o momento, devo ter entrado em contato com cerca de 500 pessoas apenas por e-mail, telefone ou pelas redes sociais. É cansativo, eu não posso mentir, mas cada resposta positiva compensa o trabalho. Para isto, tenha sempre modelos de mensagens a serem enviadas: uma simples, a ser enviada por whatsapp ou em um primeiro contato realizado por e-mail, e outra como uma minuta, com um pequeno resumo da pesquisa e uma pequena estrutura da entrevista que pretende ser realizada. Algumas pessoas solicitam detalhes antes de aceitar conceder entrevistas e é importante tê-los em mãos — às vezes grandes oportunidades surgem quando você menos espera, então esteja preparado.


Dica nº 6

Para otimizar a pesquisa, o ideal é que você tenha sempre o número de celular ou o e-mail pessoal da sua entrevistada(o), em especial se for alguém importante,como integrantes de elites políticas. E-mails institucionais muitas vezes são ignorados. Ter o contato direto das pessoas indica que há uma conhecida intermediária entre vocês, o que pode ampliar a confiança da entrevistada(o) em não estar sendo abordada por alguém “doido” ou que fará ela desperdiçar tempo. Caso você não tenha essa possibilidade, não custa nada recorrer a e-mails ou telefones institucionais. Se através deles você não tiver sucesso, não deixe de correr atrás do pessoal. No meu caso, sempre tenho um ou dois bons contatos com pessoas do partido e de suas facções que me ajudam nos casos mais difíceis de serem acessados. Costumo recorrer a essas opções mesmo que elas estejam cansadas de mim, porque insistência e disposição é parte fundamental para a realização de entrevistas.


Dica nº 7

Não desanime com posturas negativas ou com ausência de respostas. Persevere, converse com todas as pessoas possíveis sobre a sua pesquisa, continue em busca de contatos que possam te levar aos seus objetivos. Um não deu certo? Tente outro. Pediu detalhes por e-mail e não te responderam? Espere algum tempo e envie novamente. Adote sempre um tom delicado, com a sugestão de que o esquecimento deve ter ocorrido devido à vida apressada que a pessoa leva. Nas próprias entrevistas que você conseguir realizar é possível encontrar soluções para casos difíceis, pois sendo o mesmo objeto,há sempre proximidade entre as pessoas. Mas atenção: seja realista! Entenda a hora de parar e também o fato de que algumas pessoas — como Presidentes/as da República — dificilmente te concederão entrevistas. Aproveite para consultar pessoas próximas, leia livros de entrevistas já realizadas ou até mesmo biografias — sempre com o olhar crítico de quem desenvolve pesquisa e não toma estas informações como “verdades”, mas sim como uma possível evidência de uma das peças a ser encaixada no quebra-cabeça.


Dica nº 8

Não subestime o Facebook. Sempre que não consigo uma determinada entrevista, apelo a ele, faço um post e peço ajuda.Até agora isso sempre me trouxe êxitos. Às vezes gente que não encontramos pessoalmente ou que não interagimos virtualmente nos auxilia, às vezes outras pessoas são marcadas nos posts, às vezes uma amiga influente compartilha e difunde sua demanda a círculos que não são os seus. Dia desses, eu queria entrevistar um ex-ministro do Lula muito influente na dinâmica intrapartidária do PT e só consegui porque alguns conhecidos eram amigos de uma sobrinha dele. Nenhum contato de pesquisa me traria a mesma sorte. Por isso, não tenha vergonha, se exponha, seja insistente, não desanime, e ah (!!!) também não se influencie com experiências que outras pessoas tiveram em estudos similares. Várias acadêmicas que investigam o PSCh me desencorajaram em relação à realização de entrevistas com suas lideranças, disseram que eu não conseguiria etc., mas até agora tenho me saído super bem —  é mais difícil que no Uruguai, onde as elites políticas são bastante receptivas — mas não é impossível.


Dica nº 9

Com a entrevista agendada e um roteiro semiestruturado formalizado, investigue um pouco sobre a vida da pessoa. No meu caso, sempre busco informações como: a formação universitária  — caso ela tenha — , o começo da trajetória de militância, os postos de direção ocupados e as pautas políticas defendidas. Com base nestas informações, adicione ao roteiro perguntas que você acha que esta pessoa poderá te responder melhor, assim você afasta o risco de ter entrevistas genéricas e parecidas. Isto também faz com que a pessoa entrevistada seja instigada, e queira te contar mais detalhes sobre as suas experiências e sobre os eventos pelos quais ela passou.


Dica nº 10

Na hora da entrevista, não se intimide. Digo isto especialmente para mulheres, que não raro irão entrevistar quase que exclusivamente homens, alguns super simpáticos e outros mais “desafiadores”, para ser educada. Tenha perguntas curtas, mas que demonstrem domínio do tema, e não tenha receio em interpelar a pessoa caso surja algum questionamento não previsto ou deseje que ela aprofunde melhor alguma temática. Não se esqueça que estas pessoas não são Messias, e que até os Messias que dizem já ter existido eram pessoas de carne e osso, com sangue correndo nas veias e pasmem, da mesma cor que o nosso. Seja simpático sem perder a segurança e, mais importante, saiba interromper em momentos estratégicos. Não deixe o assunto se perder, ou não prolongue a entrevista além do necessário. Se tivessem me dado esta dica antes teria me poupado de escutar uma explicação de 30 minutos sobre como funcionam os frigoríficos e a produção de gado no Uruguai. Faça isso com a maior delicadeza do mundo, mas faça. Afinal, ninguém está com tempo sobrando na vida.


Realizar entrevistas, como vocês podem perceber, não é uma técnica simples e tampouco desprovida de método — como alguns pesquisadores acreditam. Leiam os manuais, interpretem e tomem para si os conteúdos dos textos metodológicos, mas também reflitam sobre o seu próprio processo. Pensem sobre o que está dando certo, o que está dando errado, não fiquem estáticos e, se não for apenas uma questão de calibragem dos pneus, acatem as sugestões de mudança de rota do GPS quando o caminho escolhido não estiver te levando ao seu destino final. Compartilhem estas angústias com amigas e amigos, aceite dicas, tenha boas pessoas em quem confiar. O mundo das entrevistas é instigante, te dá novas lentes de análise e te concede uma visão ampliada da realidade. Afinal, nossos objetos de estudo não são seres amorfos, descolados das pessoas que incidiram sobre eles. Conhecer seus rostos e escutar o que eles têm a dizer, além de fundamental, pode ser transformador. Ao fim e ao cabo, espero ter sido útil e estou à disposição para quem precisar de ajuda ou quem tiver outras dicas e achar necessário compartilhar a sua experiência. Mas uma vez, não desanimem (mas também não sofram, porque doutorado não precisa ser sinônimo de sofrimento), e boa sorte — porque um pouco dela nunca faz mal a ninguém.


 

Editora Responsável: Marcia Rangel Candido

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