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  • Matheus Ramos Mendes

TRÊS POEMAS DE MATHEUS MENDES


Sustentar encontros; sobreviver aos imprevistos

óleo e acrílica sobre tela, Bela Righi [1]



Sufoco


Talvez morrer, não sei.

Talvez respirar, apesar do sufoco.

E se ainda firme, embora fraco,

perseguir a trama aguda

da felicidade, o caminho de ouro.


Um tear impaciente

dessa vida longa, impossível,

de multidões de contratempos,

de impasses cada vez mais difíceis,

talvez lamentada e mesmo injusta.


Sem passagem nem salvo-conduto,

sem ressalvas ou qualquer ajuda mútua,

um inquisidor sem permissão divina

a deambular sozinho pela estrada curta.


Relembro as tragédias humanas,

os becos sem saída,

a via dantesca, estreita e escura,

de suas lanternas apagadas.


Em ato de desespero, um sem-saber

o que fazer, não obstante paralisado,

o pneumotórax final que não respira,

um pulmão que por si é afogado.




***




Existem Tempestades


Existem tempestades

e existem tempestades.


Cai a chuva fina da manhã

e reluta a madrugada a tornar-se dia.


Mesmo quando desperto-me e ponho

a costurar os afazeres da lista

matutina, dou descanso ao corpo

que aos poucos se levanta: há dia,

há vida, o sol que novamente espia.


Estão na lista: recompor-me;

abraçar os meus; não me importar

com as tragédias menores citadinas.


Pouco importa se o barulho

é motivo do reclame da vizinha

ou se atravesso o semáforo dúbio.


Há mais que isso: o preço do pão,

a falta de ar de quem não respira,

ou o desigual que, sem fala, cala.


Por isso levar adiante o sonho

universal: a justiça justíssima,

a liberdade libertadoríssima.


E mesmo se tudo não for possível,

ao menos aquilo que sabemos ser o mínimo:

não adiar jamais as escolhas

e saber da urgência de todos os amores.


E mesmo se tudo não for possível,

ao menos aquilo que sabemos ser o mínimo:

o pão, a voz, a terra que luta.

Não adiar jamais as escolhas, a decisão,

de poder dizê-lo: "Não!"




***




Pena


Recebo o trabalho e o mundo de bom grado.

Esse mundo obrigado em que impera o trabalho.

Nas costas dolorosas, o sustento dos enganos.

As ilusões ilusórias e as hipóteses fantasiosas.

Os cansares mais cansados e seus tímidos olhares,

se inseguros ou desviados, se bons ou inúteis,

por apenas trabalhar, ser útil -- e comprar:

Precedentes do futuro, os condenados dessa vida:

pelos erros, a demência, e a infrutífera alma perdida.



NOTAS


[1] Agradecemos à Bela Righi (Instagram @belafrighi), que gentilmente nos cedeu essa arte.




Matheus Ramos Mendes é bacharel e licenciado em Filosofia pela UFRJ, tendo pesquisado História da Filosofia Moderna na pós-graduação. Atualmente é professor de Filosofia no CIEP 175 José Lins do Rêgo, escola da rede estadual de ensino, e graduando em Direito na UERJ, com pesquisa na área de Direitos Humanos.

Contato: mramosmendes@gmail.com

Como citar esse texto: RAMOS MENDES, Matheus. (2020), “Poemas”. Horizontes ao Sul. Disponível em: www.horizontesaosul.com/single-post/2020/10/16/POEMAS






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