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  • Marcia Rangel Candido

SOBRE PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO, PARLAMENTARISMO E A INCÓGNITA BOLSONARO


Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Ag.Brasil

O que será o governo de Jair Bolsonaro? Será uma reedição do presidencialismo de coalizão que marca a política brasileira? Ou será um governo que manterá uma relação de desdém em relação aos partidos políticos e ao parlamento? Seja adotado um ou outro caminho, quais serão as consequências? Essas são algumas das perguntas que exigem certo esforço interpretativo nesse momento de imprevisibilidade da conjuntura nacional.

Na República de 88, assim como já havia ocorrido na República de 46, o sistema político brasileiro esteve organizado em torno daquilo que a literatura especializada convencionou chamar de presidencialismo de coalizão. O termo foi formulado pelo cientista político Sergio Abranches em artigo publicado na revista Dados de 1988. Ao estudar de forma comparada o sistema político do Brasil com o das 17 principais democracias do mundo, Abranches percebeu que o ordenamento brasileiro era o único que reunia cinco características concomitantes: o presidencialismo, o multipartidarismo, o voto proporcional, o federalismo e o bicameralismo. Na medida em que no multipartidarismo nenhum presidente eleito consegue que seu partido tenha sozinho mais de 50% das cadeiras do parlamento – número próximo do mínimo necessário para aprovar determinadas políticas de governo – torna-se necessário buscar outras legendas para a conformação da coalizão que lhe oferecerá a governabilidade. A esse processo Abranches designou como “presidencialismo de coalizão”.

Em graus diferenciados, todos os presidentes brasileiros estabeleceram coalizões de governo com diferentes partidos: Collor (PRN, PFL, PDS, PSDB e PTB); Itamar Franco (PMDB, PFL, PSDB, PTB, PSB e PP); Fernando Henrique Cardoso (PMDB, PFL, PSDB, PTB, PPS e PP), Lula (PT, PSB, PDT, PCdoB, PL, PTB e PMDB) e Dilma (PT, PSB, PDT, PCdoB, PR, PTB, PSD, PP, PRB e PMDB).

Grosso modo, o presidencialismo de coalizão pressupõe que, em troca do apoio ao presidente no Congresso Nacional, os partidos políticos possam compartilhar espaços nos ministérios e nas autarquias e assim participar da produção das políticas públicas daquele determinado governo. Em teoria, quanto maior for o equilíbrio entre o tamanho do partido no Congresso e a proporção de ministérios ocupados por esse partido, mais seguro e estável seria esse governo. A ciência política chegou até mesmo a criar um índice para mensurar esse equilíbrio: a taxa de coalescência. O governo Collor e o segundo governo Dilma mantiveram baixas taxas de coalescência. A consequência? Não terminaram seus mandatos. Bem, a baixa taxa de coalescência não é a única explicação, certamente, mas é uma variável relevante a ser considerada. Todos esses elementos precisam estar na mesa ao projetarmos os possíveis cenários para o futuro governo de Bolsonaro.

A narrativa que levou à vitória de Bolsonaro foi toda baseada em um discurso contra os partidos e o sistema político. Repetidas vezes o candidato declarou que não distribuiria os ministérios entre os partidos políticos. Técnicos e militares seriam os escolhidos para assumir as pastas do primeiro escalão. Os nomes indicados até agora parecem seguir essa lógica: para o ministério da Ciência e Tecnologia irá o tenente-coronel Marcos Pontes; para a Justiça irá o juiz Sergio Moro; para a Defesa o general Augusto Heleno; no ministério da Economia o economista Paulo Guedes. Por enquanto, a única exceção é o indicado para a Casa Civil, o deputado Onyx Lorenzoni do DEM.

Até o presente momento os partidos que certamente farão parte do governo Bolsonaro são o próprio PSL, de Bolsonaro, o PRTB, do vice-presidente general Mourão e o DEM de Lorenzoni. O PSL possui 52 deputados, o DEM 29 e o PRTB nenhum. Além deles, já manifestaram interesse em participar do governo o PRB com 30 deputados, o PTB com 10 e o PSC com 8. Somados, esses partidos alcançam 129 deputados (25%) dentre os 513 da Câmara.

Para alcançar uma maioria simples na Câmara Bolsonaro precisaria incorporar em sua base de governo outros 25%, provavelmente de partidos do chamado “centrão” como o PP com 37 deputados, o MDB com 34, o PSD com 34 e o PR com 33. Sob esse registro, provavelmente o governo Bolsonaro oferecerá apoio à recondução do deputado Rodrigo Maia (DEM) como presidente da Câmara.

Surge então o primeiro grande dilema do futuro governo. Para alcançar uma maioria simples no Congresso Nacional, o novo presidente precisará incorporar partidos do chamado “centrão” ao seu governo. Mas ao fazer isso entrará em contradição com parcela não desprezível da base social que lhe elegeu justamente contra os partidos.

A saída discursiva que vem sendo apresentada por Bolsonaro é a de que formará sua base parlamentar não com os partidos, mas sim com as bancadas temáticas como a bancada ruralista, a bancada da bala e a bancada religiosa. Com efeito, essas bancadas possuem deputados suficientes para a garantia da governabilidade. Contudo, esse tipo de gerência da coalizão será inédito e dificilmente comportará o equilíbrio da taxa de coalescência.

O que se apresenta inicialmente é uma mudança na forma como o presidencialismo de coalizão foi gerido em nossa história até aqui. Trabalhos e mais trabalhos da ciência política brasileira mostraram como o presidencialismo de coalizão esteve alicerçado em partidos fortes e com altas taxas de fidelidade partidária em sua principal arena de atuação, qual seja, o Congresso. Caso tenha sucesso em seu empreendimento, Bolsonaro mostrará para a literatura que o presidencialismo de coalizão também pode ser gerido por bancadas temáticas e não apenas por partidos.

Mas se não tiver habilidade para esse novo tipo de gestão da coalizão, provavelmente terá o mesmo destino dos ex-presidentes que não respeitaram a coalescência: um mandato mais curto do que o esperado. E é nesse possível cenário de crise do presidencialismo de coalizão que as portas para o parlamentarismo podem ser abertas.

Theófilo Rodrigues é professor substituto no Departamento de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

 

Editora responsável: Marcia Rangel Candido

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