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  • Marcia Rangel Candido

FACT-CHECKING E FAKE NEWS: A CHECAGEM DE INFORMAÇÃO COMO CONFRONTAÇÃO ÀS NOTÍCIAS FALSAS


O avanço das tecnologias digitais tem ditado o ritmo das transformações sociais, culturais e políticas no século XXI. Nesse contexto, ocorrem mudanças na distribuição da informação e nas formas de comunicação social. A internet permite a circulação de quantidade cada vez maior de conteúdos, produzidos por empresas de comunicação, canais informais ou mesmo pelo cidadão comum, que é amplificada por meio das redes sociais digitais.

No Facebook, 4,75 bilhões de conteúdos são publicados diariamente[1]. Apesar do crescente acesso às informações ser encarado, em geral, de modo positivo, Abramo (1988) já alertava ao dizer que “a saturação da informação faz as pessoas perderem o controle sobre o fluxo da informação. O público se transforma de agente em vítima” (p. 139). No mesmo sentido, Sartori (2001) mencionava que “na internet, é possível o afogamento: sermos inundados de mensagens, mata-nos de mensagens” (p. 48).

Assim, a internet, em conjunto com outras mídias (TV, rádio, jornais, revistas), pode impactar a comunicação social em um sentido negativo, pois “o excesso de informação traz a dispersão cognitiva, insegurança das fontes e a manipulação dos dados” (ADGHIRNI & MORAES, 2011, p. 5). Nesta conjuntura, a proliferação de notícias falsas encontrou um território livre para reverberar. Diante disso, a prática do fact-checking – checagem de informação, na tradução livre – é o objeto deste texto, que se propõe a refletir sobre sua relação com o fenômeno fake news[2].

A difusão de informações falsas é encontrada em outros períodos da história, inclusive na Antiguidade (DARNTON, 2017 apud SOUZA, 2017). Porém, as fake news contam com a peculiaridade de estarem inseridas nas dinâmicas das redes digitais, que trazem velocidade à divulgação, além de potencializarem o alcance que a informação pode atingir. Segundo o Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação da Universidade de São Paulo (USP), cerca de 12 milhões de pessoas difundiram notícias falsas sobre política no Brasil em junho de 2017[3]. O consumo de notícias pelas redes sociais digitais facilitou o compartilhamento, o que fez crescer exponencialmente casos de fake news (SORRENTINO & SOUZA, 2017).

O aumento na circulação de notícias falsas pode ser prejudicial à democracia. A divulgação de conteúdos impacta na opinião pública e pode conduzir os “acontecimentos a histórias cujos cursos poderiam ter sido diferentes se o manejo das informações não tivesse se utilizado de fatos inverídicos” (TEIXEIRA, 2017, p. 9). Um caso emblemático foi o de Fabiane Maria de Jesus em 2014[4], espancada até a morte por moradores de Guarujá, após uma notícia falsa espalhada nas redes sociais a acusar de praticar magia negra com crianças.

Outro exemplo mais recente foi o uso de discursos com conteúdo deturpado durante a eleição presidencial nos Estados Unidos, em 2016, envolvendo, em especial, o então candidato republicano Donald Trump. A influência das fake news que circularam nas redes digitais no resultado do processo eleitoral ainda não é mensurada com exatidão, mas estudos já apontam sobre seus aspectos negativos junto à população[5].A partir disso, pode-se refletir sobre o lugar do jornalismo na sociedade em rede e os projetos de fact-checking como capazes de distinguir informações qualificadas (BELDA & CARVALHO, 2017). A checagem de informação tem como ideia central a verificação das declarações públicas ao confrontar narrativas possivelmente inverídicas com fatos e dados disponíveis. Utilizando-se de técnicas de apuração do jornalismo investigativo, as fontes consultadas podem ser pesquisas, dados oficiais, fatos históricos, matérias jornalísticas e entrevistas (CONCEIÇÃO, 2018).

Após um percurso técnico/metodológico de apuração ser seguido para se chegar a uma informação factível, o resultado da investigação revela se as declarações públicas contêm informações verdadeiras, sem contexto, contraditórias, distorcidas, exageradas, discutíveis, falsas ou que não são possíveis provar, demonstrando como se chegou a cada veredito sobre os discursos ao disponibilizar o material pesquisado.

O processo de checagem de informação pode ser resumido, de modo geral, da seguinte forma: coleta de declarações em formato de frases; pesquisa de dados e informações que atestem ou refutem a declaração realizada (apuração); classificação da declaração de acordo com o resultado da checagem; produção de texto com argumentação que justifique a classificação; e publicação dos resultados da checagem em plataforma online.

Apesar da checagem de informação, historicamente, ter como foco principal a verificação de discursos de políticos, principalmente em período eleitoral (CONCEIÇÃO, 2018), passou-se a averiguar conteúdos que ganharam o ambiente online, como correntes e informações que circulam nas redes. Exemplos disso são as fake news, difundidas pelo WhatsApp e pelo Twitter sobre a reputação da vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco[6], além de uma postagem no Facebook sobre suposta contradição do presidenciável Guilherme Boulos[7].

Em meio ao dilúvio informacional, em que há dificuldades de localizar a credibilidade de quem produz e divulga conteúdos, a prática jornalística de apuração dos dados e checagem de informação, bem como a responsabilidade atrelada ao exercício da profissão do jornalista, configura um ambiente mais seguro para a obtenção de notícias críveis (BUCCI, 2017 apud SORRENTINO & SOUZA, 2017). O fact-checking contribui, dessa forma, para a qualidade da informação ao favorecer a transparência da comunicação no espaço público.

Para finalizar, cabem duas considerações. Primeiro, apenas o jornalismo não pode agir como antídoto à produção ou divulgação de fake news. Os fenômenos sociais são complexos e qualquer solução estanque não parece encontrar embasamento na realidade. Assim, o fact-checking pode ser um dos elementos para buscar restringir o impacto de notícias falsas. Outra potencial atividade que pode colaborar é a criação de processos formativos dos sujeitos sociais para os usos de ferramentas comunicacionais.

Segundo, o trabalho realizado pelos projetos de checagem de informação não apresenta o que é a verdade em um sentido estrito. “Diante de uma palavra de difícil determinação, com significado fluído, um caminho mais seguro seria o de deslocar a preocupação de avaliar se o discurso político é verdadeiro para se as declarações contêm fundamentos concretos em acontecimentos” (CONCEIÇÃO, 2018, p. 27). Assim, o fact-checking ajudaria mais a desmistificar informações inverídicas que se passam por verdades, do que estabelecer verdades absolutas por meio da verificação das informações.

NOTAS

[1] Disponível em www.terra.com.br/noticias/tecnologia/internet/facebook-tem-mais-de-350-milhoes-de-fotos-postadas-por-dia,d907f4ca57c21410VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html. Acesso em 13/5/18.

[2] Traduzido como notícia falsa, a conceituação acadêmica do termo se encontra em discussões preliminares. Para este trabalho, adota-se notícias e informações produzidas intencionalmente e comprovadamente falsas.

[3] Disponível em politica.estadao.com.br/noticias/geral,na-web-12-milhoes-difundem-fake-news-politicas,70002004235. Acesso em 3/1/18.

[4] Mais informações em g1.globo.com/e-ou-nao-e/noticia/tres-anos-depois-linchamento-de-fabiane-apos-boato-na-web-pode-ajudar-a-endurecer-lei.ghtml. Acesso em 30/6/18.[3]

[5] Ver “Multiparcialidade, dialogia e cultura participativa como reação a pós-verdade” (BELDA & CARVALHO, 2017); “Jornalismo e pós-verdade: uma análise das notícias falsas divulgadas por Donald Trump” (SORRENTINO & SOUZA, 2017); “Na era da pós-verdade, os fatos precisam de defensores”, disponível em www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/03/1865256-na-era-da-pos-verdade-os-fatos-precisam-de-defensores.shtml. Acesso em 13/6/18; e “O Jornalismo pós-Trump”, disponível em piaui.folha.uol.com.br/materia/o-jornalismo-pos-trump/. Acesso em 13/6/18.

[6] A checagem “Não, Marielle não foi casada com Marcinho VP, não engravidou aos 16 e não foi eleita pelo Comando Vermelho” foi realizada pelo Aos Fatos e está disponível em aosfatos.org/noticias/nao-marielle-nao-foi-casada-com-marcinho-vp-nao-engravidou-ao-16-e-nao-foi-eleita-pelo-comando-vermelho/. Acesso em 24/5/18.

[7] A verificação “Post falso acusa pai de Boulos de manter imóvel desocupado” foi produzida pela Agência Pública e está disponível em apublica.org/2018/05/truco-post-falso-acusa-pai-de-boulos-de-manter-imovel-desocupado/. Acesso em 24/5/18.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABRAMO, Cláudio Weber (org) (1988). A Regra do Jogo - O jornalismo e a ética do marceneiro. São Paulo: Cia. das Letras.

ADGHIRNI, Zélia Leal. & MORAES, Francilaine Munhoz (2011). Jornalismo e democracia: o papel do mediador. In: E-compós. Brasília, v. 14, nº 2, p. 1-15.

BELDA, Francisco Rolsfen. & CARVALHO, Pedro Henrique Varoni (2017). Multiparcialidade, dialogia e cultura participativa como reação a pós verdade. In: Revista do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal da Paraíba. Paraíba, ano X, Nº 18, p. 230-245.

CONCEIÇÃO, Desirèe Luíse Lopes (2018). Internet e cidadania: o estímulo ao debate político por meio do jornalismo fact-checking - Um estudo de caso do projeto “Truco!. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Programa de Estudos Pós-graduados em Ciências Sociais, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

SARTORI, Giovanni (2001). Homo-videns – Televisão e pós-pensamento. Bauru: Edusc.

SOUZA, Rogério Martins (2017). Pós-verdade, jornalismo e a credibilidade em perigo: o mercado de notícias falsas e as consequências para o jornalismo. Paper apresentado no 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Curitiba.

SORRENTINO, Tainã Ribeiro. & SOUZA, Rogério Martins (2017). Jornalismo e pós-verdade: uma análise das notícias falsas divulgadas por Donald Trump. Paper apresentado no XXII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste. Volta Redonda-RJ.

TEIXEIRA, Ana Paula de Moraes (2017). Entre o verdadeiro e o falso: a manufatura da informação na era da pós-verdade. Paper apresentado no 40º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, Curitiba-PR.

*Desirèe Luíse Lopes Conceição, graduada em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2008), cursou a Pós-graduação Mídia, Política e Sociedade na Fundação Escola de Sociologia e Política (2015), é mestre pelo Programa de Ciências Sociais da PUC-SP (2018).

Contato: deluise19@gmail.com

 

Editora responsável: Natasha Bachini

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