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  • Marcia Rangel Candido

CONCEIÇÃO EVARISTO NA FLIP


Créditos da Imagem: Richner Allan/Divulgação

E na ordem do dia das ruas de Paraty celebrando a FLIP 2018... representatividade.

Olhos penetrantes, calmos e tranquilos, depositados sobre a imensa plateia reunida ao ar livre na programação paralela da FLIP 2018, organizada pelo SESC no primeiro dia do festival.

Em clima descontraído, a rainha Conceição Evaristo, 71 anos, dialogou com Mei Mei Bastos, de Ceilândia/DF e a pernambucana Bell Puã, duas jovens negras slammers, que, assim como a escritora mineira, estão marcando forte presença na festa literária deste ano.

“Não tenho sinhá nem sinhô”

A vibração das jovens nesse encontro intergeracional foi uma surpresa à parte. A força da voz de Conceição Evaristo ecoa nos versos potentes das jovens poetas, que têm a mestra como grande referência em suas vidas. Emocionando a todos os presentes, as slammers narravam a memória viva de seus antepassados, suas dores e privações, ao mesmo tempo em que incorporavam à beleza da palavra escrita a força da palavra falada, seus gestos, sua música. A simulação da “batalha de poesia” trouxe poemas tematizando a escravidão, a violência contra a mulher e o racismo, temas que vem sendo problematizados cada vez mais, na arte e fora dela, por aqueles que carregam o peso da História do Brasil na pele. Literatura feminina, feminismo, feminismo negro e literatura negra são palavras-chave que unem a escrita dessas três mulheres, ou melhor, suas escrevivências, uma forma de expressão artística interior que passa necessariamente pela experiência do ser mulher negra no Brasil, como explica Conceição.

“Quem quer escrever tem que assuntar o mundo”

Conceição deixa claro que, mesmo fazendo uma literatura extremamente comprometida com a realidade, seu fazer literário não deixa de se entender como uma arte da palavra. Seja em prosa ou poesia, os textos contundentes da mestra revelam o profundo cuidado e amor que nutre pela língua portuguesa e pelas línguas africanas vindas com os negros escravizados, que emprestam grande vocabulário à sua obra. Didática, a escritora e educadora mineira, bastante apegada ao léxico de sua terra, explica que aquele que deseja escrever deve assuntar o mundo, isto é, observá-lo com atenção, por muito tempo, de olhos penetrantes - como aqueles numerosos pares, vidrados na presença cativante dessa artista que arranca sorrisos de admiração a cada palavra pronunciada.

“Conceição na … ABL!”

Em meio a gritos de guerra “Conceição na ABL!” [1], instigados por Mei Mei Bastos, Conceição Evaristo encerra a roda de conversa do dia 26 de julho comentando sobre o lançamento de sua candidatura a uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Para Conceição, trata-se agora de uma questão de tempo até exibirmos a primeira mulher negra da Academia. Embora muito tardiamente, autoras negras estão ganhando visibilidade na cena literária brasileira e, segundo a mestra, esse reconhecimento vindo da ABL não é nenhum favor que a instituição – tradicionalmente ocupada por uma esmagadora maioria de homens brancos – lhe faz. Ele já está aí, nas centenas de cabeças espremidas para ouvi-la falar, em todas as pessoas que se sentem convocadas a fazer literatura ao travar contato com sua obra, nos gritos eufóricos conclamando Conceição na... ABL!

“Nossa história não foi feita para ninar os da casa grande, e sim para acordá-los de seus sonhos injustos”

De fato, a questão da representatividade na literatura e nos festivais literários vem repercutindo com cada vez mais intensidade no Brasil, como indica a própria programação oficial e paralela da FLIP 2018, que já teve mesas compartilhadas por nomes como Djamila Ribeiro, Geovani Martins e Alain Mabanckou, além da instalação da Casa Insubmissa das Mulheres Negras - onde está hospedada Conceição Evaristo e onde estão à venda livros de ficção e não-ficção de autores negros brasileiros e africanos.

Porém, como a grande Conceição já apontou em inúmeras entrevistas sobre o assunto – inclusive em uma participação que marcou a FLIP 2017 - o mérito é todo das escritoras e escritores negros, que estão simplesmente ocupando o lugar que lhes pertence por direito, tendo ganhado visibilidade através, principalmente, da luta dos movimentos ativistas negros. Não é favor nenhum.

A agenda de Conceição Evaristo na FLIP 2018 ainda reúne algumas participações até o final do festival. Para quem deseja ter o imenso prazer de estar diante de uma presença tão inspiradora como a sua, ainda dá tempo de aproveitar. Outra maneira de se aproximar de suas escrevivências é através de seus livros - absolutamente indispensáveis.

Confira a lista abaixo com algumas indicações:

Ponciá Vicêncio. Belo Horizonte: Mazza, 2003. 3. ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2017. (Romance).

Becos da Memória. Belo Horizonte: Mazza, 2006. 2. ed. Florianópolis: Editora Mulheres, 2013. 3. ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2017. (Romance).

Poemas da recordação e outros movimentos. Belo Horizonte: Nandyala, 2008. 3. ed. Rio de Janeiro: Malê, 2017.

Insubmissas lágrimas de mulheres. Belo Horizonte: Nandyala, 2011. 2. ed. Rio de Janeiro: Malê, 2016. (Contos).

Olhos d'água. Rio de Janeiro: Pallas: Fundação Biblioteca Nacional, 2014. (Contos).

Histórias de leves enganos e parecenças. Rio de Janeiro: Malê, 2016. 2.ed. Rio de Janeiro: Malê, 2017. (Contos e novela).

*

Lilian Villanova é professora e tradutora de francês, licenciada em Letras pela Universidade Federal Fluminense. Mãe, brincante de cultura popular brasileira e escritora nas horas vagas, queria viver disso apenas.

Contato: lilianvillanova@hotmail.com*

 

Editora responsável: Luna Ribeiro Campos

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