ÁGUA PARA VIAGEM
Créditos da Ilustração: Felipe Jornada, 2008
Lorena Martins compartilha conosco alguns poemas de seu livro de estréia água para viagem, lançado em 2011 pela Editora 7 Letras. A poeta, natural de Dom Pedrito, Rio Grande do Sul, é formada em Letras/Francês pela UFRGS. Atualmente, vive em Tallinn, na Estônia, onde finalizou recentemente seu novo livro corpo continente, que aguardamos ansiosamente a publicação.
A escrita doce e envolvente de Lorena Martins pode ser conferida na seleção de poemas feita especialmente para a Horizontes ao Sul.
***
espelhos nas pontas dos dedos
a pluma do teu ego
os primos
os pregos
e o medo do corte
dores feridas
soltas na pia
pequena parede descascada,
velada
e tu
tua pose
teu pêlo
teu palco
de doenças vestidas
minha raiva
(eu cicatrizando em ti).
***este poema também pode ser conferido em sua versão lindamente musicada pelo grupo Pato Preto, de São Paulo. o registro, feito por Tom Butcher Cury, é de janeiro deste ano***
***
será denúncia
os cabelos que sem rima
abandonei
o passo lento escorado à janela
o olhar que nada vislumbra
mas que tudo pede
e é sede?
será renúncia
adormecer à parede
deitar como quem se veste
aos poucos
sob o desejo do outro?
será denúncia
os dedos calados à nuca
as mãos amarradas à cintura
à espera
e nela
o desterro?
será que derrama
e é grito?
***
a noite no sofá
é pele
cascata
que não alcança
a janela.
as tardes
se trancafiam
nos cantos da sala:
desperto
meu bonde abandono
a mão no parapeito
e minha garganta
que voa.
***
hoje, enquanto o dia gritava seus lugares,
lembrei de quando cresci.
cresci numa tarde
dessas em que o vento parece saudoso
suado
e num deslize
respira o rosto
e devaneia.
cresci como quem atravessa o trigo
arranca das árvores as folhas boas
e de qualquer vertigem passageira
o vestido.
cresci chorando sobre um gramado roxo,
destemperado,
que nos invernos cobria meus pés de terra
e formigava.
cresci diante dos meus olhos
épocas -
um só corpo ensolarado
enjoado.
eu ri quando cresci.
e despejei rumores, meias escuras
e copos pela metade.
assim que a noite,
não tão noite mas ríspida,
viu meus braços se alongarem,
os cabelos formarem cachos,
eu desfiz.
tramei meu conto.
quando cresci,
o cruzar de pernas que minha mãe ensinou,
o tom de voz que me era permitido,
a blusa de tricô
que escondia os mamilos,
amargaram.
foi então que amanheci.
cobri o embaraço com pitangas à boca
mergulhei onde era raso
desejei os meus pudores
e me vi
quando era quase entristecer.
eu cresci
e na moldura dos traços
rastros, lastros
eu te vi:
é um túnel.
***
Para conhecer um pouquinho mais da poeta, é possível vê-la lendo alguns poemas do livro no link abaixo:
Para comprar o livro água para viagem, acesse:
Contato: lorena.martins@gmail.com
Editora responsável: Luna Ribeiro Campos