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  • Marcia Rangel Candido

LIDERANÇAS POLÍTICAS E CINEMA


Minha vida acadêmica e intelectual é marcada por mudanças nos meus objetos de pesquisa. No mestrado, pesquisei o movimento social no campo (Conflitos de Arrendatários em Santa Fé do Sul-SP 1959-1969) e, concomitantemente, fiz parte de um grupo de pesquisa cujo objetivo era estudar a atuação dos camponeses no período da ditadura militar no país. No doutorado, analisei a liderança política de Jânio Quadros, reconstruindo sua trajetória e identificando sua atuação política contraditória e ambígua.

Os meus estudos mais ordenados na área da Comunicação Política começaram em 1995, com pesquisas que versavam sobre a atuação dos meios de comunicação e a política. Como exemplo, arrolo alguns trabalhos: Imprensa e Câmara Municipal de São Paulo (1989-1996); Escândalos Políticos e Mídia: alguns casos da vida política brasileira; Mídia, Campanha Eleitoral e Comportamento Político em São Paulo; Eleições em São Paulo nos anos 2000-2002: a cobertura dos telejornais locais; O uso das novas tecnologias na ação política no Brasil e na Espanha; As novas formas de participação política e as comunidades on line: um estudo do Orkut.

O interesse em estudar de forma sistemática o cinema e seu relacionamento com a política se deu a partir do convite para participar da Comissão de Imagem e Som da ANPOCS (2009 a 2012). Já era próxima desta área e considerei que seria uma ótima oportunidade conciliar o prazer à pesquisa acadêmica.

Para tanto, formulei meu projeto enquanto pesquisadora do CNPq, sobre “Lideranças Políticas e Cinema: a imagem do poder”. Minha questão central era: “Como compreender a construção das representações sociais das Lideranças Políticas?” A partir deste objetivo, foquei a pesquisa na conformação e disseminação da imagem do poder, por meio dos personagens que representam as figuras dos presidentes dos Estados Unidos da América e do Brasil. A análise foi feita com base em filmes que apresentam ficcionalmente a figura do chefe do Executivo, e também por aqueles que recriam documentalmente os presidentes destes dois países. Supõe-se, desta forma, ampliar os vínculos entre imagem e política e expandir os limites da interpretação política.

Os filmes foram estudados comparativamente ao desenrolar das ideias e propostas políticas enunciadas pelos governantes, ou seja, da perspectiva metodológica, os filmes foram analisados internamente, sem desconsiderar o contexto histórico que envolveu as lideranças, bem como o momento da produção e distribuição destas obras. Cabe destacar que o cinema nunca foi estudado e comentado como nos tempos atuais. Observa-se desde análises estruturais dos filmes, até estudos que privilegiam a história e a descrição dos personagens ali presentes. Entretanto, na avaliação de Aumont e Marie “...não existe uma teoria unificada do cinema. Também não existe qualquer método universal de análise do filme” (2004, p.7).

Sua recomendação é que “a análise propriamente histórica de um filme deverá numa primeira fase proceder ao estudo interno da obra, decompondo principalmente os elementos de representação sócio-histórica observável nela” (P.10). Portanto, a análise de filmes se constitui numa atividade descritiva e não modeladora.

No que concerne à escolha dos filmes a serem analisados, é importante verificar, inicialmente, a finalidade dos diretores e roteiristas. Neste sentido, “o documentário está colado à política e, por isso, é aqui frequentemente pensado como operador no real” (MIGLIORIN: 2010, p.12). Possui, sempre, uma intencionalidade. A reconstrução de um determinado período ou de um personagem político é feita a partir de uma proposta do diretor e do roteirista, que selecionam as testemunhas e as cenas que marcaram a trajetória daquele ator político e seu contexto. As fontes e enquadramento marcam o percurso e o levantamento dos personagens retratados.

Os documentários explicitam a posição política dos autores, como documentários militantes, de acordo com termo cunhado por Gauthier. “O documentário é memória; a testemunha é raramente libertada de suas lembranças, e tenta, no mais das vezes revisitá-las” (GAUTHIER, 2011, p. 245).

Corroborando a posição de que não existe objetividade e neutralidade nos documentários, Paulo Menezes afirma que “um documentário é uma visão determinada sobre determinado assunto, portanto, uma visão ‘sempre’ parcial; dificilmente o receptor, o público, irão ao cinema com esses mesmos pressupostos” (MENEZES, 2004, p. 40).

Silvio Tendler é o diretor brasileiro que mais produziu filmes que retratam as lideranças políticas brasileiras. Ele iniciou sua carreira artística nos anos 1970, se especializando em documentários. Já retratou vários personagens políticos, como João Goulart (1984), Juscelino Kubitschek (1980), Glauber Rocha (2003), Carlos Marighela (2001), Josué de Castro (1994), Milton Santos (2006) e Tancredo Neves (2010). É conhecido como "o cineasta dos vencidos" ou "o cineasta dos sonhos interrompidos", por abordar em seus filmes personalidades que tiveram as suas carreiras cessadas.

Entre os diretores norte-americanos, destaca-se Oliver Stone, conhecido por uma filmografia polêmica, questionadora e/ou enaltecedora de certas autoridades políticas. Contrário às guerras e a certas estruturas do poder, Oliver Stone é um dos diretores que revisiona criticamente a política norte-americana. Ao focar nas lideranças políticas do país, objetiva não só engrandecê-las, mas também desconstruir certos mitos políticos.

Até o presente momento, analisei os filmes: W. –baseado na carreira política de George W. Bush; Nixon; JFK - A pergunta que não quer calar (1991); e South of the Border – do gênero documentário político, em que Stone analisa os líderes políticos latino-americanos de esquerda. No caso dos filmes de Stone, não podem ser considerados documentários no stricto sensu, pois ele recria as trajetórias políticas destes governantes – George W. Bush e Richard Nixon – misturando fatos ocorridos e interpretações do próprio diretor.

De modo geral, verifica-se a exaltação das características pessoais dos políticos, prevalecendo a personalização na política. A imagem construída das lideranças destaca positiva ou negativamente certos traços individuais, em detrimento dos partidos políticos, dos programas e das ideias. O personalismo e a ênfase na liderança política conduz à desqualificação das organizações democráticas e amplia uma concepção antipartidária, reforçando uma cultura política voltada à valorização e consagração do indivíduo.

Podemos afirmar que a produção cinematográfica que retrata a trajetória política dos governantes brasileiros é mais condescendente. Os filmes ressaltam a ação e as realizações dos políticos quase sempre apresentando os pontos positivos de sua liderança política. Alguns aspectos negativos são apresentados, mas sempre minimizando estes pontos.

Com relação aos filmes que retratam ficcionalmente ou através de documentários os políticos americanos, existe uma relação ambígua, de amor e ódio, que se faz presente nos filmes produzidos nos EUA sobre esta temática.

BIBLIOGRAFIA

AUMONT, J.; MARIE, M. A análise do filme; Lisboa: Edições Texto&Grafia, 2004.

CHAIA, V. Lideranças políticas e cinema: a imagem do poder, em Revista Ponto & Vírgula, PEPG em Ciências Sociais da PUC-SP, 2011. http://revistas.pucsp.br/index.php/pontoevirgula/article/view/13926/10250GAUTHIER, Guy. O documentário – Um outro cinema. Campinas: Papirus, 2011.

MENEZES, P. O cinema documental como representificação – verdades e mentiras nas relações (im) possíveis entre representação, documentário, filme etnográfico, filme sociológico e conhecimento. In: NOVAES, S. C. et al. (orgs.). Escrituras da imagem. São Paulo: Edusp/Fapesp, 2004.

MIGLIORIN, C. (org.). O documentário brasileiro hoje. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2010.

Vera Chaia é professora do Departamento de Política e do Programa de Estudos Pós-graduados em Ciências Sociais da PUC-SP. Coordenadora do Neamp (Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política) da PUC-SP, pesquisadora do CNPq e da FAPESP.

 

Editora responsável: Natasha Bachini

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