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  • Marcia Rangel Candido

“AMIZADES LITERÁRIAS”: JOSEPHINA ALVARES DE AZEVEDO E IGNEZ SABINO


Nascida na Bahia, a escritora Ignez Sabino (1853-1911) militou na imprensa feminista brasileira e atuou como defensora dos direitos das mulheres e pela consagração da produção intelectual feminina. Ela preocupou-se em perenizar nomes femininos que se destacaram por atos cívicos ou por suas obras literárias no livro Mulheres ilustres do Brasil (1899). Grande parte de sua extensa produção jornalística e literária pode ser lida e conhecida a partir da imprensa carioca, principalmente por sua atuação no jornal feminista A Família (1888-1897), fundado e dirigido por outra notável escritora, dramaturga e jornalista, nascida no Recife, Josephina Alvares de Azevedo (1851-1913).

Ambas estreitaram laços de amizade na luta pela emancipação feminina que, à época, consistia em demandas específicas no período de transição entre a Monarquia e a República, tais como direito ao voto, acesso à educação e oportunidades igualitárias de trabalho para homens e mulheres. Infelizmente, algumas dessas demandas ainda não saíram do nosso horizonte de lutas políticas... Mesmo assim, mulheres como Ignez Sabino e Josephina Azevedo foram algumas dentre as muitas mulheres do século XIX que procuraram ampliar as oportunidades de atuação e participação das mulheres, seja no mundo das letras, na política, no trabalho ou na cultura, entendida de forma ampla. Em 1891 o jornal carioca A Família tornou-se a principal publicação de um empreendimento tipográfico presidido por Ignez Sabino: Companhia Imprensa Familiar.

Assim, o jornal que nasceu da vontade de Josephina Azevedo, sua proprietária e redatora-chefe, foi agregando ao longo dos anos, desde a sua fundação em São Paulo até sua mudança para o Rio de Janeiro, um grande número de literatas e jornalistas do Brasil, tais como a escritora carioca Júlia Lopes de Almeida e a escritora paulista e notável educadora Anália Franco. Era necessário, então, crescer, ampliar as possibilidades materiais, permitir que a escrita feminina tivesse campo fértil para florescer. Contudo, tal empreendimento feminista não se distanciou de suas motivações iniciais. A escrita, nesse sentido, poderia atuar como arma. À época, Josephina Azevedo era citada pela imprensa como uma feminista ferrenha, forte e agressiva. Em abril de 1891, o jornal carioca Do Mercantil comentou:

D. Josephina tem músculos de aço (...) a moça é mesmo uma moça destorcida e amante do seu sexo. Faz por ele toda a sorte de abnegações e sacrifica por ele toda a sua seiva juvenil... A amiga Ignez Sabino, em texto comemorativo ao aniversário natalício de Josephina, 05 de maio de 1891, publicado no jornal A Família em 09 de maio de 1891, disse:

(...) o nome da ilustrada senhora serve de pedestal ao simpático vulto da propagandista em sua pátria. Quem a não conhece? Quem ousa obscurecer-lhe o nome? Quem a julgará pequenina nesta estatueta viva; modesta e débil, mas impulsada pelo calor da convicção e pelo apostolado santo da emancipação feminina? A atuação de Josephina se deu nos artigos do jornal A Família, na escrita da peça teatral O voto feminino, que foi encenada em 26 de maio de 1890 no Recreio Dramático, um dos teatros mais populares do Rio. Sua finalidade era a de sensibilizar as autoridades republicanas em relação à condição política marginal da mulher brasileira. Depois disso, a jornalista reuniu seus artigos e sua peça teatral no volume com o título A mulher moderna (1891), o qual seria “a minha obra” nas palavras apaixonadas da escritora:

(...) Posso dizer com orgulho que ninguém com mais entusiasmo e amor tem tratado do assunto no Brasil (...)

E ninguém estará mais convicta do que eu de quanto é justa a causa que defendo, do quanto é forte a razão que está do meu lado, de quanto é sagrado o direito que eu peço aos homens que reconheçam em nós- as mulheres.

Ignez Sabino também tem o seu lugar no pedestal das letras e das lutas políticas das mulheres brasileiras. Em seu livro Contos e Lapidações (1891), Sabino mostra uma preocupação aguda com as lutas da mulher brasileira pelo acesso à educação em fins do século XIX e denota franca consciência das mudanças sociais e políticas engendradas pela proclamação da República. Em Crenças e Opiniões a autora propôs uma certeira análise da política nacional:

o golpe político foi profundo; há de ser falado enquanto a História do seu país for escrita no pergaminho do tempo, enquanto houver corações que saibam compreender o que seja patriotismo”, por isso “torna-se mister, à vista da mudança das coisas, corrigirem-se as leis e ditar novas bases sobre as tábuas do livro novo do Moisés brasileiro (...).

Sabino contribuiu para muitos periódicos femininos, fundados e dirigidos por mulheres, concentrando sua produção jornalística nas últimas décadas do século XIX e início do século XX. Contribuiu para o Echo das Damas, Corymbo (jornal do Rio Grande do Sul), A Família, A Mensageira e Escrínio. Também escreveu para os periódicos portugueses Almanach de Lembranças e Almanach das Senhoras.

Após escrever estas páginas não poderemos deixar de pontuar um problema que certamente surgirá à cabeça da paciente leitora: “Eu deveria ter lido, conhecido, estudado sobre essas mulheres?!”. Respondemos que sim! e afirmamos que estamos apenas no início dos problemas enfrentados ao abordar a escrita feminina e a participação das mulheres na política e na cultura nacional. Para exemplificarmos: Josephina Azevedo lutou ferrenhamente pelo direito ao voto feminino, pelo divórcio e outras garantias legais para as mulheres... Mas notem que em fevereiro de 1918, apesar de lembrada pelo jornalista que escreveu artigos sobre os embates pelo voto feminino no Jornal do Brasil, Antenor Thibau, sua lembrança aparecia de modo ambíguo, pálida e apagada:

Não sei se é viva ou morta Josephina Alvares de Azevedo. Se é morta baixou ao túmulo enterrando consigo suas ilusões terráqueas; se é viva, coitada! A senilidade permitir-lhe-á, apenas, o prazer platônico de gozar da vitória das suas colegas inglesas de propaganda.

O pessimismo manifesto pelo texto de 1918 não deveria nos abater, mas nos servir de alerta. Sabemos o “final da história”. Sabemos que vários direitos reivindicados por nossas patrícias dos séculos passados demoraram para se consolidar e estão em constante ameaça.Trata-se agora, mais do que nunca, de narrarmos as batalhas travadas por essas mulheres de letras, suas dificuldades de atuação e as conquistas que obtiveram. Vamos ler seus jornais, contos, poesias, peças teatrais e romances. Eles nos aguardam ávidos para serem redescobertos, pesquisados, debatidos e apreciados com a atenção e o respeito que merecem.

Laila Correa e Silva é filósofa e historiadora. Atualmente é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em História Social da UNICAMP, onde desenvolve, como bolsista FAPESP, a pesquisa "Dos projetos literários dos 'homens de letras' à literatura combativa das 'mulheres de letras': imprensa, literatura e gênero no Brasil de fins do século XIX".

 

Editora responsável: Luna Ribeiro Campos

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